Era uma noite de terça-feira muito fria, mas estava animada a sair de casa por ter conseguido me inscrever nas poucas vagas de uma oficina de escrita literária de uma unidade do Sesc, no centro de São Paulo.
Trabalhava como revisora em uma agência de propaganda, uma atividade solitária que, depois da pandemia, passou a acontecer integralmente a distância. Como não dependiam da minha presença, eu não participava de reuniões com clientes ou de sessões de brainstorm com a criação, o bastidor ficou sendo meu lugar oficial. E não me opus.
Até comemorei.
Nas várias horas vagas durante o meu expediente, aproveitava para escrever, ainda que os papéis ou arquivos digitais ficassem guardados ou perdidos, sem jamais serem lidos ou relidos por ninguém que não eu mesma.
A escrita é a realização dos sonhos dos tímidos. Poder se expressar sem ter de encarar ou ser encarado pelo olhar do outro, protegido pelo filtro do anonimato, é confortável.
Na fantasia do introvertido, ser o protagonista de um discurso em público, presencial e sonoro, é como ser a vítima de uma multidão sempre sedenta por devorá-lo, lobos salivando em frente à presa, encurralando-a, assustada, em um beco.
A escritora-tutora deu início à aula e, como de praxe, pediu que todos, um a um, falassem um pouco de si, de sua experiência.
Mal comecei a imaginar a minha vez de me apresentar, e o coração disparou.
Tentei focar na respiração, inspirando e expirando com calma, pra ver se os batimentos desaceleravam, mas a descarga de adrenalina já tinha lavado todo o meu corpo, meus órgãos, meu sangue.
Não daria tempo de reverter o banho involuntário de hormônio que minha suprarrenal havia despejado até o momento em que eu seria convocada a me manifestar.
Eu tinha muita coisa pra falar, minhas aspirações, um pouco sobre quem eu era, por que eu estava ali, mas a minha timidez me impediu. Mais uma vez. Estava aterrorizada feito um animal acuado, o entusiasmo transformado em pavor. Fugir ou morrer.
Eu disse só algumas poucas palavras, meu nome e minha profissão, e logo a voz começou a falhar, externando para todos os presentes o meu tremor interno, expondo sem piedade a minha vergonha, minha maior fraqueza, revelando o que eu mais queria esconder.
Depois que o pânico passou, tão involuntário como quando chegou, fiz anotações sobre a aula, concordei com muitas falas, acenando com a cabeça, e apertei o passo para ir embora assim que ela anunciou o fim do encontro.
Deitada na cama mais tarde, sentindo o frio insistente que nada conseguia aquecer, pensei nas oportunidades perdidas por gente como eu.
Será que eu estava condenada a ficar para sempre nas coxias da vida?
Então me lembrei de gente como Elena Ferrante, mitificada por esse mesmo defeito, e senti meu corpo se aquecer, tragado pelo sono.
Muito bem delineadas as auto- impressões!
Excelente!